quarta-feira, 20 de março de 2013

Em busca de alvos terapêuticos, cientistas mapeiam rede de interação gênica


Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Descobrir como os genes de um determinado tecido do corpo humano se comunicam, e o que muda nessa rede de interação gênica quando uma pessoa fica doente, permite não apenas compreender melhor o mecanismo molecular das enfermidades como também identificar alvos terapêuticos para o desenvolvimento de novas drogas. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando essa estratégia para estudar o cérebro de pessoas com uma forma de epilepsia resistente aos medicamentos hoje disponíveis. Também estão usando o método para entender o desenvolvimento do timo, órgão de grande importância para o sistema imunológico, com o objetivo futuro de descobrir como as doenças autoimunes e as imunodeficiências se instalam. “Estamos aplicando na área de genômica uma ferramenta que surgiu na Física há muito tempo: análise de redes complexas. Isso permite mapear de maneira precisa os genes mais importantes e aqueles que têm mais ligações com outros genes”, contou Carlos Alberto Moreira-Filho, da Faculdade de Medicina (FMUSP).


A análise é feita com uma amostra milimétrica do tecido a ser estudado. Os cientistas extraem o RNA mensageiro presente no fragmento e, por meio de análises estatísticas, mensuram quais genes estão mais ou menos expressos no local. “Nossos genes são os mesmos em qualquer parte do corpo. O que diferencia uma célula da retina de uma do epitélio ou da mucosa gástrica é o conjunto de genes que está sendo expresso e a rede de interação entre eles. Por meio de análises estatísticas par a par, é possível perceber quando a expressão de um gene aumenta ou diminui e quem sobe ou desce com ele. Assim mapeamos a rede de interação”, explicou Moreira-Filho. Essa análise permite identificar dois tipos de genes-chave em um tecido: os HUBs – aqueles que têm um número grande de ligações com outros genes – e os VIPs – que, embora não tenham muitas ligações, funcionam como uma ponte entre os genes do tipo HUB.
“Identificar quem é VIP e quem é HUB não é mera curiosidade estatística. É extremamente importante em termos de função biológica. O gene HUB está relacionado a uma via metabólica importante e o VIP é responsável por unir duas ou mais vias metabólicas em um processo”, disse o pesquisador. Os softwares desenvolvidos para essas análises podem, segundo Moreira-Filho, ser usados para estudar doenças em qualquer parte do corpo. Servem ainda como ferramenta para estudos de genômica funcional de microrganismos, plantas e animais, levantando informações úteis para pesquisas que busquem, por exemplo, o melhoramento genético.
O trabalho vem sendo realizado no âmbito do projeto “Modelos e métodos de e-Science para ciências da vida e agrárias”, coordenado por Roberto Marcondes Cesar Junior, do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP), e conta com a colaboração do grupo liderado por Luciano Fontoura da Costa no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). O projeto é financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex).


Sinapse
As análises relacionadas à epilepsia, porém, começaram antes mesmo do Pronex – no âmbito de um Projeto Temático coordenado por Moreira-Filho. O objetivo era entender por que alguns pacientes com a forma mais comum da doença – chamada de epilepsia do lobo temporal mesial – não respondem ao tratamento medicamentoso. “Estimamos que um terço dos indivíduos afetados por esse tipo de epilepsia no mundo seja refratário às drogas existentes, algo em torno de 10 milhões de pessoas”, contou o pesquisador. Esses pacientes chegam a ter várias crises por semana, o que pode causar importante comprometimento da qualidade de vida, além do risco de morte súbita. Atualmente, a única opção nesses casos é remover cirurgicamente a parte do hipocampo afetada – procedimento difícil, caro, invasivo e ao qual poucos têm acesso.
“O ideal é encontrar uma solução medicamentosa, mas para isso precisamos entender melhor o mecanismo da doença. E uma das maneiras mais interessantes de fazer isso é pelo estudo das redes de interação gênica”, afirmou Moreira-Filho. No início, os pesquisadores usavam softwares mais simples, capazes apenas de mapear a rede de genes diferencialmente expressos – aqueles que estão se expressando de forma diferente por causa de um estímulo do ambiente, como febre ou trauma. Nessa época, a rede tinha entre 200 e 400 genes. Agora, graças aos softwares mais complexos, são cerca de 15 mil, o que corresponde a praticamente todos os genes expressos nessa região do hipocampo.
“Hoje a gente sabe com certeza que ser diferencialmente expresso não é a única razão da relevância de um gene em uma doença. Às vezes isso é uma consequência do padrão de relacionamento dos genes que mudou. Percebemos que os genes diferencialmente expressos são um elemento de perturbação da rede. Para saber onde intervir, é preciso conhecer a rede toda”, contou Moreira-Filho. As investigações iniciais na área de epilepsia do lobo temporal mesial já resultaram em um trabalho publicado na revista PLoS One. No artigo, os pesquisadores mostram que, dependendo do estímulo que desencadeia a doença, ela adquire um perfil molecular diferente. “Tem uma forma que resulta de um insulto precipitante febril e outra que resulta de outros tipos de estímulos. São perfis diferentes do ponto de vista molecular e isso é importante para identificar alvos terapêuticos. Já identificamos alguns genes candidatos para estudos com drogas in vitro e em modelos animais”, contou.
As pesquisas com fragmentos do timo ainda estão no começo, mas já foi possível perceber que o padrão de expressão dos genes nesse órgão sofre uma grande alteração a partir dos seis meses de idade e muda novamente a partir de um ano. Os resultados preliminares foram apresentados na 2ª Escola São Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiências Primárias (ESPCA-PID),realizada entre os dias 3 e 8 de março. “O timo é responsável pelo desenvolvimento da tolerância central, ou seja, ele ensina as células de defesa a não atacar antígenos do próprio organismo. O órgão é grande em recém-nascidos e diminui com o passar do tempo, mas a tolerância se mantém. Queremos entender o que acontece de tão espetacular com o timo nesse primeiro ano de vida”, afirmou Moreira-Filho.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Sistema aprimora monitoramento das ondas na costa brasileira


Por Luiz Paulo Juttel
Agência FAPESP – O monitoramento e a previsão de processos costeiros são atividades que interessam a diversos setores da sociedade. Dados sobre as ondas marítimas provenientes de simulações computacionais permitem identificar a geração e a chegada de eventos energéticos, como ciclones, de modo a orientar atividades navais, de pesca e exploração de petróleo. O Brasil acaba de ganhar uma ferramenta de modelagem matemática voltada a esse tipo de análise. O Sistema de Previsão e Monitoramento Costeiro (SIMCos) foi desenvolvido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) para simular diversas características das ondas que chegam à costa brasileira. A plataforma produz informações sobre altura significativa, altura potencial, período e direção de ondas que atingem 61 pontos distintos do litoral do país. Os atributos simulados são gerados a partir de dados de ventos de superfície (10 metros acima do mar). “Calibramos o modelo com base na climatologia das ondas dos últimos 30 anos, de 1979 a 2010. Os ventos de superfície foram calculados a partir de um esquema matemático conhecido como assimilação de dados. Este mistura observações e resultados de modelos com resolução temporal de uma hora e espacial de 0,3125 grau”, explica o coordenador do projeto Valdir Innocentini, do Inpe. O SIMCos faz parte do projeto temático da FAPESP “SMCos: sistema de monitoramento e estudos de processos costeiros”. Iniciado em 2007, o estudo contou com a participação de geólogos, oceanógrafos, meteorologistas, físicos e matemáticos. Um website, em fase de testes, foi criado pela equipe para disponibilizar ao público em tempo real as simulações geradas pelo sistema para os próximos dias.
Ampla cobertura
O diferencial do SIMCos não reside na criação do modelo matemático em si, pois este é amplamente conhecido pelos oceanógrafos. A novidade do projeto é a implementação dessa modelagem em um sistema que prevê e monitora o movimento e a altura das ondas em diversos pontos ao longo de toda a costa brasileira. Outro destaque é a simulação e o monitoramento da altura potencial da onda nos pontos analisados. Este cálculo mostra o fluxo de energia presente, um produto do quadrado da altura pelo tempo entre a passagem de dois picos consecutivos de ondas. O pesquisador do Inpe afirma que, muitas vezes, ondas que são baixas em alto-mar, se possuírem grande altura potencial, tornam-se altas quando atingem regiões próximas à costa, provocando a movimentação de sedimentos com efeitos erosivos. Isso representa um perigo para os banhistas e navegantes.
O sistema brasileiro contempla a simulação da energia contida nas ondas que atingirão determinado litoral nos próximos cinco dias, em intervalos de três horas. O SIMCos apresenta ainda gráficos que mostram a probabilidade de se ter ondas entre 0,5 e 6 metros de altura em cada um dos 61 pontos analisados.

Essas regiões que integram o sistema foram selecionadas de forma a contemplar toda a costa brasileira. Segundo Innocentini, rodar o modelo diariamente para todo o litoral do país seria inviável por causa da elevada necessidade de processamento computacional. Em alto-mar, acima de 100 metros de profundidade, modelos matemáticos conseguem prever o movimento das ondas continuamente ao redor do globo. “Já em águas rasas, a velocidade das ondas diminui e a física envolvida no processo se torna mais complexa, o que dificulta a criação de processos eficientes de simulação e exige o uso de computadores de alta performance para rodar tais modelos”, conta Innocentini. O SIMCos é executado atualmente no supercomputador Robura, que custou R$ 200 mil e conta com 120 processadores, no Inpe em São José dos Campos.
Próximas etapas
Os dados sobre ventos de superfície que abastecem o SIMCos foram extraídos de modelos atmosféricos, pois não há equipamentos que realizem tal medição ao longo da costa brasileira. Innocentini explica que isso não enfraquece as informações geradas pelo sistema por duas razões. Uma delas é que esses modelos atmosféricos possuem um elevado nível de precisão nos dados produzidos. A segunda razão é que os pesquisadores brasileiros compararam os resultados do SIMCos com informações sobre altura de ondas provenientes de satélites, boias e modelos matemáticos consolidados que analisam processos costeiros no oceano Atlântico Norte, obtendo similaridade de dados em ambos os casos. O próximo passo da pesquisa é combinar alguns dados gerados pelo SIMCos com o modelo hidrodinâmico (MOHID) de circulação costeira, desenvolvido pelo Instituto Superior Técnico (IST), em Portugal. Este simula as correntes marítimas mais próximas à costa, as marés, o transporte de sedimentos e a erosão. O uso combinado desses sistemas permitirá a avaliação, por exemplo, do impacto de empreendimentos humanos no transporte de sedimentos em áreas costeiras. Eventuais ondas gigantes podem modificar de forma severa a costa de uma região. Ao longo do tempo, entretanto, outras correntes vão reconstruir gradativamente a área afetada. “Se ocorre alguma interferência humana, como a construção de um porto ou molhes, o fluxo das correntes reconstrutoras pode ser interrompido e os sedimentos daquela região não serão mais recuperados. Nosso modelo pode apontar esses casos”, explica Innocentini. O SIMCos, aliado ao MOHID, pode ser empregado ainda na análise do impacto de fenômenos climáticos como o El Niño e na alteração do nível médio do mar sobre as ondas e regiões costeiras do Brasil.

terça-feira, 12 de março de 2013

Estudo analisa ambiguidades na obra de Aluísio Azevedo


Por Karina Toledo
Agência FAPESP – O Mulato, de Aluísio Azevedo, é um livro de título coletivo. Não faz menção a um personagem ou a uma situação específica, mas a toda uma categoria humana muito importante para a compreensão do processo de formação do Brasil. A análise é do sociólogo Rodrigo Estramanho de Almeida no livro A realidade da ficção. Ambiguidades literárias e sociais em ‘O Mulato’ de Aluísio Azevedo, que será lançado no dia 15 de março pela Alameda Casa Editorial. O ponto de partida do professor e pesquisador é o segundo livro de Aluísio Azevedo, O Mulato, por meio do qual analisa as contradições que marcaram toda a trajetória literária do escritor maranhense, cuja obra costuma ser dividida pela crítica em duas categorias: a dos romances engajados, recheados de crítica social, e a das novelas folhetinescas.
“Essa ambiguidade permanece ao longo de toda a carreira de Aluísio. O próprio escritor deixou claro, em correspondências e textos de jornais, que tinha consciência e sofria com isso. Mas eu tento mostrar que há também um fluxo de continuidade em suas obras”, disse Estramanho de Almeida à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, a crítica social está presente mesmo nos livros considerados românticos. Por outro lado, O Mulato – considerado o abre-alas do Naturalismo no Brasil – está ambientado em uma história com características do Romantismo. “Embora o livro possua elementos considerados típicos do Naturalismo, a construção da narrativa é, do ponto de vista formal, próxima à do Romantismo. É um autor de difícil classificação”, afirmou. A ambiguidade presente na ficção também estava presente na vida real de Aluísio Azevedo, contou Estramanho de Almeida. 

“Ele trabalhou muito ao longo da vida para viver de literatura. Foi um autor combativo, que defendia os ideais republicanos e flertava com o abolicionismo. Também criticava duramente o clero e sua relação com o governo imperial. Mas, no fim da vida, abandonou a literatura para se dedicar ao serviço público e trabalhar para o Estado que tanto criticou”, contou. Além de colocar em relevo as vicissitudes enfrentadas pelo escritor para viver de literatura, Rodrigo busca também definir o lugar ocupado por Aluísio Azevedo no pensamento social brasileiro. “Aluísio está imerso em um momento de profunda transformação da sociedade brasileira. O aparecimento do ideário republicano e da doutrina Positivista tem impacto no comportamento, nas artes e no pensamento político e social. Além disso, transformações técnicas e econômicas, com o café se tornando o principal produto do país, modificaram a forma de as pessoas pensarem o futuro, o presente e o passado. Há um conteúdo sociológico interessantíssimo na obra de Aluísio Azevedo, mas algumas questões podem passar despercebidas se a análise se prender unicamente ao aspecto formal do Naturalismo”, afirmou Estramanho de Almeida. 
O livro, que contou com auxílio publicação da FAPESP, é resultado da pesquisa de mestrado realizada por Rodrigo Estramanho de Almeida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sob orientação do professor Miguel Wady Chaia. O pesquisador, no entanto, vem se dedicando ao estudo da obra de Aluísio Azevedo há mais de cinco anos, tendo escrito em 2007 uma análise de O Cortiço (leia mais emagencia.fapesp.br/6617).  O Cortiço é uma obra da fase madura de Aluísio. Já O Mulato é seu segundo livro. Foquei agora a análise no início da carreira para compreender quais elementos já estavam presentes em seu campo semântico e na sua maneira de escrever sobre a realidade”, contou. Atualmente, Rodrigo Estramanho de Almeida é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e pesquisador no Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP.
A realidade da Ficção 

Autor: Rodrigo Estramanho de Almeida 
Lançamento: 15 de março de 2013, na Martins Fontes Paulista, Av. Paulista, 509, das 19h às 22h 
Preço: R$ 40 
Páginas: 201

Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br