sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Como prever o impacto de pesquisas

Agência FAPESP
Em 1905, Albert Einstein publicou uma série de artigos no periódico Annalen der Physik que estabeleceu a base da Física moderna, alterando os conceitos a respeito de espaço, tempo, massa e energia. Outroannus mirabilis para a ciência foi 1953, com a publicação de um artigo naNature em que James Watson e Francis Crick descreveram a estrutura molecular do DNA.
Einstein, Watson e Crick sabiam muito bem da importância de seus trabalhos, mas não poderiam prever a dimensão do impacto que seus artigos promoveriam na ciência anos ou décadas depois.
A mesma Nature que revelou o formato de dupla hélice do ácido desoxirribonucleico acaba de lançar uma curiosa forma para prever o impacto de artigos científicos. Impacto, é bom dizer, não na comunidade científica atual, mas no mundo como um todo. E no futuro.
O SciPher é um produto de inteligência artificial feito em um “porão secreto” por especialistas da equipe editorial da revista. O sistema é capaz de prever com 100% de exatidão o efeito de uma determinada pesquisa daqui a 50 anos.
É claro que se trata de uma brincadeira. No site do SciPher, qualquer cientista pode inserir o título ou um breve resumo de sua pesquisa (em inglês) para saber o impacto do trabalho no futuro. Futuro na Terra e em outros mundos, uma vez que a base do sistema utiliza tanto o arquivo da Nature como detalhes de episódios de seriados de televisão.
O site marca a nova edição da revista, que celebra o gênero da ficção científica. A edição especial traz reportagens sobre a vida e a obra de H. G. Wells, sobre como cientistas foram inspirados por obras da ficção e uma análise do impacto de Jornada nas Estrelas– que faz 50 anos –, entre vários outros temas.
Um exemplo de como funciona o SciPher. Ao inserir o título do artigo de Watson e Crick de 1953 – Molecular Structure of Nucleic Acids: A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid, a previsão retorna pérolas do tipo: “Sua tentativa de salvar uma base secreta de ácido desoxirribonucleico será bem sucedida, levando eventualmente à destruição de toda a vida no Universo”. Esse impacto certamente os descobridores da dupla hélice não poderiam imaginar.
Mais informações: www.nature.com/scifi-predictor 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Pesquisadores “treinam” nanotubos de carbono para realizar tarefa computacional

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
Uma técnica computacional, inspirada na biologia evolutiva, possibilitou que nanotubos de carbono, dispersos em cristal líquido, fossem rearranjados por meio de sinais elétricos, de modo a desempenhar o papel de um nanocircuito, capaz de executar tarefas computacionais simples. O experimento teve a participação do físico brasileiro Diogo Volpati e foi divulgado no artigo científico “Evolution of Electronic Circuits using Carbon Nanotube Composites”, publicado naScientific Reports, publicação do Grupo Nature.
Atualmente pesquisador pós-doutorando na Mid Sweden University, da Suécia, Volpati participou do estudo no contexto de sua pesquisa “Controle molecular em filmes nanoestruturados de nanotubos de carbono”, apoiada pela FAPESP.
“Em vez de criar um circuito elétrico passo a passo utilizando componentes discretos [capacitores, resistores etc.], nós 'treinamos' uma quantidade de material para que ela desempenhasse o papel do circuito e executasse a tarefa computacional de separação de conjuntos de dados. Esse treinamento foi feito por meio de um algoritmo evolutivo, baseado em conceitos da biologia”, disse o pesquisador à Agência FAPESP.
No experimento, os nanotubos foram dispersos em uma matriz de cristal líquido. E uma gota, da ordem de grandeza do microlitro, foi colada sobre um conjunto de eletrodos, que forneceram os inputs e outputs para o sinal elétrico. Sem o sinal, os nanotubos ficaram “desorientados”, isto é, posicionaram-se no meio de forma aleatória. Com o sinal, eles se reposicionaram, movendo-se no cristal líquido de acordo com as linhas de força do campo elétrico. Os pesquisadores testaram diferentes concentrações de nanotubos em matriz de cristal líquido.
A figura publicada nesta página, reproduzida da Scientific Reports, mostra esquematicamente o experimento. A área cinza corresponde à gota de cristal líquido contendo nanotubos, disposta sobre os eletrodos (linhas e pontos amarelos). No detalhe do pequeno círculo, limitado pela circunferência pontilhada vermelha, os diferentes eletrodos são conectados somente pela rede de nanotubos. Inicialmente, a falta de sinal elétrico deixa os nanotubos (segmentos pretos) desorientados. As setas em vermelho mostram os eletrodos que forneceram os estímulos elétricos de treinamento. Os eletrodos das pontas são os responsáveis por realizar a tarefa computacional, promovida pelo realinhamento dos nanotubos mediante os estímulos elétricos de treinamento.
“Basicamente, o experimento consistiu em modificar as características morfológicas e as propriedades elétricas do material [o compósito de nanotubos de carbono com cristal líquido] utilizando sinais elétricos. O objetivo da mudança foi ‘treinar’ o material para executar uma tarefa computacional dentro da rede de eletrodos”, resumiu Volpati.
A tarefa computacional realizada, a separação de dois conjuntos de dados, é extremamente simples. Mas o objetivo do experimento não era a realização de uma tarefa complexa. E, sim, apresentar a prova de princípio de que um material podia ser “treinado”.

Para “treinar” o material, os sinais elétricos destinados a rearranjar os nanotubos foram aplicados de acordo com um algoritmo evolutivo. “Tínhamos dados misturados pertencentes a duas classes distintas. E ‘pedimos’ ao material que os separasse. Cada vez que o erro na separação se mostrava grande, promovíamos a ‘evolução’ do material, fazendo passar novamente o sinal elétrico entre diferentes eletrodos. E esse processo de treinamento e realização da tarefa foi repetido várias vezes, até os erros serem reduzidos ao mínimo aceitável”, detalhou Volpati.
Como afirmou o pesquisador, não se espera que essa abordagem computacional compita com os computadores atuais, baseados em silício. Mas dispositivos de baixa potência e baixo custo poderiam ser fabricados em breve, como, por exemplo, no processamento de sinais analógicos. No longo prazo, as possibilidades são inimagináveis. A pesquisa definiu todo um novo campo de estudos a ser explorado.
“Nossa abordagem mostrou que uma pequena quantidade de material pode substituir um complexo circuito elétrico. Basta ‘treinar’ o material para que ele execute a tarefa desejada. Assim como um organismo biológico evolui e executa tarefas, mostramos que um material não biológico também pode evoluir”, conjecturou o pesquisador.
O artigo Evolution of Electronic Circuits using Carbon Nanotube Composites, publicado na Scientific Reports, pode ser acessado no endereço