quarta-feira, 15 de março de 2017

Pesquisa encontra relação entre transtornos de borderline e adicções: Nos relacionamentos aditivos, a necessidade de garantir a presença do outro pode ter um padrão similar à dependência de uma droga

Por  - Editorias: Ciências da Saúde

Pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP detecta inter-relação entre distúrbios de borderline, problema psíquico que afeta pessoas que estabelecem relações afetivas turbulentas e destrutivas, e comportamentos adictivos, quando indivíduos criam vínculos de dependência com drogas, jogos, objetos e com o outro. O trabalho traz novos conhecimentos sobre doenças de saúde mental e contribuirá para uma melhor intervenção de atendimentos de pacientes que sofrem com o problema.
Conhecidas pelas oscilações de humor, relacionamentos turbulentos, impulsividade e sentimento constante de ameaça pela perda de amigos, familiares ou pessoa amada, pessoas com este perfil psicológico não só sofrem por não controlar suas próprias emoções mas também pelo estigma social que a doença lhes traz. Segundo o psicanalista Marcelo Soares da Cruz, autor da pesquisa, os que vivem este drama são vistos como pessoas mimadas, destrutivas e inconsequentes. Embora sejam difíceis de lidar, precisam receber tratamento adequado e serem acolhidas. Agem por necessidades emocionais profundas e concretas, não por mero capricho.

Tendo como base dados clínicos, o psicoterapeuta analisou três casos concretos: uma mulher de 35 anos, um adolescente de 14 e um homem de 32. Conhecendo a história de vida destes pacientes, foram diagnosticados como tendo características de ambos os transtornos, borderline e adicção. A pesquisa “chegou à compreensão de que o sofrimento borderline carrega um traço de adicção inerente. Uma ‘fissura’ maciça pelo outro, a fim de garantir sua presença, nos moldes do uso de uma droga, que tem que ser repetidamente buscada”, explica Cruz.
Dos três pacientes, a mulher chegou ao consultório com uma história de vida bastante conturbada. Com apenas 32 anos, já tinha passado pela experiência dolorosa de 35 internações em clínicas psiquiátricas. Todas por tentativas de autolesão (pular de uma janela alta, ligar o gás na tentativa de se asfixiar e ou sair do carro em movimento). “Ela recorria a expedientes que tentavam provocar no outro uma aproximação.” Para o psicoterapeuta, é uma desesperança no vínculo afetivo. Os atos contundentes buscam essencialmente a manutenção da ligação, na forma de um vício ao outro, afirma.
Embora fosse casada, a mulher buscava freneticamente outros relacionamentos pela internet, mas sem intenção de traição conjugal. O psicoterapeuta percebeu que ela desejava apenas aferir o interesse de outras pessoas por ela. Nos prontos socorros, frequentava hospitais para contrair doenças e ser posteriormente cuidada por seus familiares. Na fantasia de sua cabeça, “estar doente significaria ter a garantia da presença do outro”, explica.
Tanto o adolescente como a mulher faziam conjuntamente acompanhamento psiquiátrico. A psicoterapia trabalhou na linha de construção de uma experiência emocional e relacional mais estável. O objetivo era restituir, abrigar e significar falhas importantes ocorridas na primeira infância ou que tinham sido desencadeadas por acontecimentos traumáticos vividos pela pessoa, afirma Cruz.
O acompanhamento psicoterapêutico deu resultados positivos. A paciente, que nunca havia trabalhado, teve uma primeira experiência de atividade profissional, passou a ser uma pessoa mais organizada e começou a ter mais autonomia, “conquistas viabilizadas pela construção da experiência de permanência interna dessas figuras, em detrimento das fantasias de ruptura tão proeminentes em sua vida anterior”. Em meio ao tratamento, lendo o livro O Pequeno Príncipe, a paciente se identificou com a rosa que era bastante solitária no mundo. “Ela encontrou suporte na obra de Antoine de Saint-Exupéry e conseguiu dar sentido e verbalizar seu sofrimento”, avalia o pesquisador.
A tese Adição ao outro em pacientes fronteiriços: um estudo psicanalítico foi orientada pela professora Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo, do Instituto de Psicologia (IP) da USP.

terça-feira, 14 de março de 2017

Reprodutibilidade questionada

Pesquisa Fapesp ED. 252 | FEVEREIRO 2017

Começaram a sair os resultados da Iniciativa de Reprodutibilidade, um projeto norte-americano lançado em 2013 para avaliar a reprodutibilidade de 50 candidatos a medicamentos contra câncer, depois de a empresa de biotecnologia Amgen ter comunicado que não havia conseguido refazer, com os mesmos resultados, 47 de 53 experimentos descritos em revistas como NatureScience e Cell. Cinco estudos foram apresentados em janeiro na Nature e eLife: o teste dos efeitos de um peptídeo antitumoral falhou, os de dois compostos anticâncer apresentaram dados praticamente iguais aos do estudo original e outros dois não tiveram resultados claros, impossibilitando comparações.

Erkki Ruoslahtia, pesquisador do Instituto de Pesquisa Médica Sanford Burnham Prebys, da Califórnia, responsável por um peptídeo antitumoral que não passou nos testes, disse à Nature que pelo menos 10 laboratórios nos Estados Unidos, Europa, China e Japão tinham chegado aos mesmos resultados que os seus. Segundo ele, o fato de um experimento não ter sido reproduzido de modo fiel ao estudo inicial não significa que não possa levar aos mesmos resultados. Ruoslahtia disse temer que a irreprodutibilidade dos resultados prejudicasse a aprovação dos pedidos para financiamentos das próximas pesquisas.

A falha em reproduzir os resultados não implica necessariamente que as conclusões apresentadas estejam erradas, alertou Tim Errington, gerente da Iniciativa de Reprodutibilidade e pesquisador do Center for Open Science da Universidade de Virgínia, Estados Unidos. Segundo ele, os pesquisadores deveriam tomar os resultados negativos como informação, não como condenação, a não ser que outros também não cheguem aos resultados esperados. À Nature, Errington comentou que talvez a conclusão mais clara desse projeto seja que muitos artigos incluem poucos detalhes sobre os métodos usados nos experimentos.
No editorial, a Nature lembrou que a reprodutibilidade é um dos pressupostos do trabalho científico e ressaltou, sem justificar, a diferença entre os resultados dos experimentos originais e as replicações. Em um dos casos, os camundongos com câncer induzido tratados com um antitumoral sobreviveram nove semanas no estudo original e apenas uma nos experimentos que tentaram reproduzir o trabalho inicial.