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terça-feira, 12 de março de 2013

Estudo analisa ambiguidades na obra de Aluísio Azevedo


Por Karina Toledo
Agência FAPESP – O Mulato, de Aluísio Azevedo, é um livro de título coletivo. Não faz menção a um personagem ou a uma situação específica, mas a toda uma categoria humana muito importante para a compreensão do processo de formação do Brasil. A análise é do sociólogo Rodrigo Estramanho de Almeida no livro A realidade da ficção. Ambiguidades literárias e sociais em ‘O Mulato’ de Aluísio Azevedo, que será lançado no dia 15 de março pela Alameda Casa Editorial. O ponto de partida do professor e pesquisador é o segundo livro de Aluísio Azevedo, O Mulato, por meio do qual analisa as contradições que marcaram toda a trajetória literária do escritor maranhense, cuja obra costuma ser dividida pela crítica em duas categorias: a dos romances engajados, recheados de crítica social, e a das novelas folhetinescas.
“Essa ambiguidade permanece ao longo de toda a carreira de Aluísio. O próprio escritor deixou claro, em correspondências e textos de jornais, que tinha consciência e sofria com isso. Mas eu tento mostrar que há também um fluxo de continuidade em suas obras”, disse Estramanho de Almeida à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, a crítica social está presente mesmo nos livros considerados românticos. Por outro lado, O Mulato – considerado o abre-alas do Naturalismo no Brasil – está ambientado em uma história com características do Romantismo. “Embora o livro possua elementos considerados típicos do Naturalismo, a construção da narrativa é, do ponto de vista formal, próxima à do Romantismo. É um autor de difícil classificação”, afirmou. A ambiguidade presente na ficção também estava presente na vida real de Aluísio Azevedo, contou Estramanho de Almeida. 

“Ele trabalhou muito ao longo da vida para viver de literatura. Foi um autor combativo, que defendia os ideais republicanos e flertava com o abolicionismo. Também criticava duramente o clero e sua relação com o governo imperial. Mas, no fim da vida, abandonou a literatura para se dedicar ao serviço público e trabalhar para o Estado que tanto criticou”, contou. Além de colocar em relevo as vicissitudes enfrentadas pelo escritor para viver de literatura, Rodrigo busca também definir o lugar ocupado por Aluísio Azevedo no pensamento social brasileiro. “Aluísio está imerso em um momento de profunda transformação da sociedade brasileira. O aparecimento do ideário republicano e da doutrina Positivista tem impacto no comportamento, nas artes e no pensamento político e social. Além disso, transformações técnicas e econômicas, com o café se tornando o principal produto do país, modificaram a forma de as pessoas pensarem o futuro, o presente e o passado. Há um conteúdo sociológico interessantíssimo na obra de Aluísio Azevedo, mas algumas questões podem passar despercebidas se a análise se prender unicamente ao aspecto formal do Naturalismo”, afirmou Estramanho de Almeida. 
O livro, que contou com auxílio publicação da FAPESP, é resultado da pesquisa de mestrado realizada por Rodrigo Estramanho de Almeida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sob orientação do professor Miguel Wady Chaia. O pesquisador, no entanto, vem se dedicando ao estudo da obra de Aluísio Azevedo há mais de cinco anos, tendo escrito em 2007 uma análise de O Cortiço (leia mais emagencia.fapesp.br/6617).  O Cortiço é uma obra da fase madura de Aluísio. Já O Mulato é seu segundo livro. Foquei agora a análise no início da carreira para compreender quais elementos já estavam presentes em seu campo semântico e na sua maneira de escrever sobre a realidade”, contou. Atualmente, Rodrigo Estramanho de Almeida é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e pesquisador no Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP.
A realidade da Ficção 

Autor: Rodrigo Estramanho de Almeida 
Lançamento: 15 de março de 2013, na Martins Fontes Paulista, Av. Paulista, 509, das 19h às 22h 
Preço: R$ 40 
Páginas: 201

Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Produção literária brasileira no século 19 circulava pelo mundo


Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Já no início do século 19 um leitor no Rio de Janeiro podia encomendar um livro recém-lançado em Paris, na França, e recebê-lo em 28 dias, que era o tempo que a obra necessitava para ser transportada por navio até o Brasil e que equivale, aproximadamente, ao mesmo prazo que empresas de comércio eletrônico estrangeiras, como a norte-americana Amazon, levam para entregar uma obra hoje no país quando não encomendada pelo sistema de correio expresso. Na mesma época, obras de autores brasileiros, como Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), foram traduzidas para o francês, o italiano, o latim e o russo, a exemplo do que ocorre atualmente com os livros mais lidos no mundo, que são lançados quase que simultaneamente em diferentes idiomas. Como os exemplos demonstram, a globalização da cultura não é um processo que se iniciou no século 20, com o advento das tecnologias de informação e comunicação. Mas remonta ao início do século 16 – quando espanhóis e portugueses começaram a viajar pelo globo – e se intensificou no século 19, quando os livros e impressos começaram a circular pelo mundo, criando uma forma especial de conexão entre as pessoas em diferentes partes do planeta, tal como a internet faz hoje. De modo a estudar o fenômeno sob uma perspectiva transnacional, pesquisadores do Brasil, Portugal, França e Inglaterra iniciaram um Projeto Temático, com apoio da FAPESP, com o objetivo de conhecer melhor os impressos e as ideias que circulavam entre os quatro países entre 1789 a 1914. No período, que ficou conhecido como o “longo século 19”, houve uma notável ampliação do público leitor e mudanças tecnológicas, como a ampliação da rede ferroviária europeia e o desenvolvimento dos navios a vapor, que facilitaram a divulgação e a circulação dos impressos pelas diferentes partes do globo.

Nessa época, quando os países começaram a se definir como nações que queriam se separar uma das outras, ao mesmo tempo em que o processo de integração ganhava força, livros brasileiros foram traduzidos para o francês e publicados na forma de folhetim em jornais em Paris e obras de autores franceses também fizeram o percurso inverso. “A tradução de livros na forma de folhetim fazia com que pessoas, em diferentes lugares do mundo, ficassem conectadas, porque liam mais ou menos ao mesmo tempo a mesma história nos jornais”, disse Marcia Azevedo de Abreu, professora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP“Um capítulo de um livro recém-publicado na França era mandado por navio e traduzido no Brasil. Às vezes, o autor adoecia, por exemplo, e a tradução não podia sair aqui”, contou a pesquisadora.
Neste período também foram lançados livros e manifestos por intelectuais brasileiros, que estudaram em universidades de Portugal e da França e se tornaram membros de importantes instituições acadêmicas estrangeiras, como o Instituto Histórico de Paris. Durante a permanência na França, por exemplo, os brasileiros conheceram e estabeleceram relações com os intelectuais nativos, que lhes ajudaram a lançar publicações como a revista NiteróiNa revista, que circulou primeiramente em Paris e que para ser lida no Brasil era preciso importá-la, foi publicado pelo poeta brasileiro Gonçalves de Magalhães (1811-1882) o primeiro Manifesto Romântico Brasileiro.
Já a primeira tradução para o francês de O Guarani, de José de Alencar (1829-1877), foi publicada também em folhetim no século 19, sob o título Les filles du Soleil (As filhas do Sol), em um jornal lançado na França por um grupo de brasileiros para divulgar o Brasil no país europeu. “Algumas obras de grandes autores brasileiros também foram impressas primeiramente na França por Louis Auguste Garnier, que foi o maior editor brasileiro do século 19, porque era mais caro importar papel branco do que impresso no Brasil nesta época”, disse Abreu. “Além disso, era mais chique para os leitores brasileiros comprar um livro impresso na França, e as próprias editoras exploravam isso na publicidade, destacando que a obra havia acabado de chegar de Paris ou escrevendo na primeira página da obra que ela foi impressa na França”, destacou a pesquisadora. Por outro lado, de acordo com Abreu, assim que terminou a proibição de se imprimir publicações no Brasil, que vigorou até 1808, alguns livreiros, como o francês Paul Martin, começaram a publicar livros no Brasil e exportá-los para Portugal, onde Martin estava instalado, e que desempenhou um importante papel no processo de integração literária entre os países por meio das traduções. 

Como a grande referência no século 19, a França traduzia na época obras de todo o planeta para o francês, que era a língua que o mundo inteiro lia e partir da qual os países faziam as traduções para seus idiomas oficiais. Ao perceber que uma determinada obra lançada na França fez sucesso, os portugueses logo tratavam de traduzi-la para a língua portuguesa e a enviavam para o Brasil, possibilitando que não só as elites, que liam francês, pudessem ter acesso à obra. “O Brasil era a filial de muitos livreiros de Portugal, que eram muito ativos e traduziam muito rapidamente livros e impressos e enviavam para cá”, disse Abreu. “Mas não eram só os brasileiros que esperavam o que os estrangeiros mandavam para cá. Os estrangeiros também esperavam o que o Brasil mandava para o exterior”, ressaltou a pesquisadora.
Falso atraso e dependência cultural
Na avaliação da pesquisadora, as constatações feitas no primeiro ano do projeto de pesquisa contrariam o paradigma de que o Brasil esteve sempre atrasado culturalmente em relação aos outros países, e mais recebeu do que exerceu influência cultural. “A gente aprende que a França influencia culturalmente Portugal, que por sua vez influencia o Brasil, e que a influência cultural se esgota aqui. Mas temos observado que também há livros e impressos que saíram do Brasil e foram para estes países e que as trocas entre eles eram desiguais, mas recíprocas”, disse Abreu. A primeira história da literatura brasileira, por exemplo, foi escrita pelo francês Ferdinand Denis (1798-1890), que publicou em 1826 um livro na França intitulado O resumo da história literária do BrasilJá um romance de Victor Hugo (1802-1885) foi publicado no Brasil, antes mesmo de ser lançado na França, graças a um contrato de exclusividade com o editor do autor francês, conforme uma notícia publicada no Jornal do Commercio no Brasil na época, alardeando que o mundo inteiro deveria estar com ciúmes do país pelo feito. “Nós vimos que essas conexões entre o Brasil e outros países já existiam muito antes e que não havia a ideia de atraso, de dependência e de influência cultural, que não estão bem colocadas”, disse Abreu.
“Não que o Brasil fosse o centro do universo no século 19. Mas não era tão ruim como estamos acostumados a pensar, e o país estava sincronizado com outros no tempo, do ponto de vista da leitura”, afirmou a pesquisadora. De acordo com Abreu, um dos fatores que contribuem para essa falsa percepção do atraso cultural do Brasil em relação ao mundo é que se costuma pensar que economia e cultura são indissociáveis. Como o país não era economicamente desenvolvido no século 19, se pressupunha que sua cultura também era atrasada e fortemente dependente e influenciada por outros países. “Uma das conclusões preliminares importantes deste projeto de pesquisa é que a economia e a cultura não são tão casadas assim. No mesmo país em que havia escravos e era economicamente dependente, circulavam livros que eram lidos ao mesmo tempo aqui e em Paris”, disse Abreu.
Continuidade da pesquisa
Os pesquisadores estão buscando identificar quais os editores que atuavam transnacionalmente e quantos e quais autores brasileiros tiveram obras traduzidas no século 19. A pesquisa está sendo realizada em bibliotecas, além de em arquivos dos editores, comerciais e de polícia do Brasil e dos três outros países participantes do projeto, em que é possível analisar, por exemplo, os contratos comerciais de livreiros realizados com brasileiros e quais editores se instalaram no país. De acordo com Abreu, o projeto deve ganhar maior impulso agora, após a realização da Escola São Paulo de Estudos Avançados sobre a Globalização da Cultura no século 19, que ocorreu no final de agosto no IEL e Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP. O evento reuniu professores e estudantes de pós-graduação de diversos países, que poderão se integrar no projeto. “Nós estamos em fase de prospecção e estabelecimento de parcerias com pesquisadores da França, Portugal e Inglaterra, sendo que alguns já se conheciam e trabalharam juntos e outros não. E a Escola possibilitou trazer todos esses pesquisadores para passar uma semana juntos e ouvir as sugestões dos alunos, para afinar as referências”, disse Abreu.