Giovanni Santa Rosa, especial para a
Agência USP de Notícias
A expansão urbana — ou seja, a transformação em área urbana de terrenos definidos legalmente como rurais — não é controlada, nem sequer planejada por parte considerável dos municípios, aponta pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. As cidades aumentam seus perímetros urbanos casuisticamente ou criam, sem regulamentação federal, figuras jurídicas para contemplar estruturas como condomínios fechados, ranchos ou sítios, novas tipologias do mercado para famílias de rendas médias e altas. De acordo com a arquiteta Paula Santoro, autora do trabalho, essa expansão é caracterizada por uma normatização on demand, definida a partir das demandas do mercado imobiliário e da correlação de forças com o setor agrícola.
A tese de doutorado Planejara expansão urbana: dilemas e perspectivas foi orientada pelo professor Nabil
Georges Bonduki, da FAU. Segundo a pesquisa, a expansão ocorre
sem planejamento ou controle porque os municípios compõem com o
mercado imobiliário em torno de uma ideia comum: “crescer em expansão urbana é
desenvolver-se”. De 100 municípios paulistas cujos dispositivos legais e
figuras jurídicas foram estudados pela pesquisadora, 28 possuem leis municipais
voltadas para loteamentos fechados sem que haja uma regulamentação federal.
Isso sem falar nos que possuem a tipologia, sem reconhecê-la através de normas.
A arquiteta critica a conivência com tal tipo de empreendimento. “As áreas
verdes ficam ilhadas entre muros. Não há mais espaços públicos, de encontro, de
cidadania”, afirma Paula.
Um dos três estudos de caso
realizados mostra esta coalizão social em torno dos benefícios da urbanização:
as elites se articulam com os políticos e com a mídia, e tentam estruturar e
vender para a cidade a ideia de que crescer é bom, para obter lucros a partir
do processo de urbanização. No entanto, a cidade encontra seu limite nas terras
voltadas à produção de cana-de-acúcar. Esse produto agrícola demanda terras
próximas à usina, para diminuir custos com transporte. Mesmo tendo um valor
menor que o urbano, essas áreas são mantidas pelos produtores rurais pela
importância que têm para seus negócios.
Tentativas de Controle
Há casos em que o município trabalha para tentar controlar a expansão.
Em São Carlos (SP), há uma cobrança que incide na transformação da área rural
em urbana. O objetivo é recuperar parte da valorização que o proprietário obtém
na mudança e que deveria ir para a coletividade, uma vez que poder expandir foi
uma decisão pública e não pode beneficiar poucos.
Já em Bogotá, capital da Colômbia,
que foi estudada como uma das referências internacionais, a expansão urbana é
fortemente planejada, como forma de que a infraestrutura urbana acompanhe o
crescimento da cidade. Mesmo assim, a lógica do mercado ainda permanece e
dificulta a obtenção de um bom resultado urbanístico. Há uma forte concentração
de pobres em uma região e os ricos isolam-se em outra, bem distante da
primeira.
Fases da expansão
Segundo a pesquisadora, a expansão urbana brasileira pode ser dividida
em três grandes momentos. O primeiro, entre as décadas de 1930 e 1950, se dá no
contexto da industrialização como política econômica e se caracteriza pela
ausência de controle sobre o crescimento das cidades, como forma de criar um
exército de reserva de mão-de-obra para baratear custos e facilitar a expansão
industrial.
O segundo momento, compreendido no
período da ditadura civil-militar (1964-1985), tem como principal traço o
descompasso entre a produção de casas e a produção da cidade: ao mesmo tempo em
que as políticas habitacionais recebem muito investimento por intermédio do
Banco Nacional da Habitação (BNH), a infraestrutura urbana não recebe a mesma
atenção. Também surgem diversas leis para tratar da expansão urbana.
O terceiro momento, que vai da
redemocratização até os dias de hoje, se define pela criação de novas
regulações e instituições, como o Estatuto da Cidade, mas delega a maior
responsabilidade sobre o tema aos municípios. É nesse contexto que ocorre a
flexibilização do parcelamento do solo, que permite que municípios definam como
urbana áreas sem equipamentos urbanos mínimos e estes terminam por criar
figuras jurídicas que se contrapõem a normas federais.
O trabalho foi realizado como parte
do projeto de pesquisa “Urbanização e preço da terra em franjas de municípios
do Estado de São Paulo”, desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp). Paula destaca a importância da pesquisa para as
políticas públicas, pois traz uma reflexão sobre formas de planejar a expansão
urbana, que pode ser feita junto com os municípios, aproximando o pesquisador
das questões mais cotidianas de uma Prefeitura.
A arquiteta ainda critica programas
como o Minha Casa Minha Vida, no que tange o tema da expansão urbana. Segundo
ela, o programa deixa para os municípios a questão do planejamento urbano, mas
eles não têm força para direcionar onde querem os empreendimentos garantindo a
produção de cidades e não apenas de casa, em lugares já urbanizados e
infraestruturados. “Estamos repetindo a política do BNH, construindo casas na
periferia, longe da cidade, com mais recursos e mais flexibilização das normas
urbanísticas”, conclui. “A terra, no Brasil, nunca foi encarada com um elemento
estruturante.”
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