Agência
FAPESP – Uma molécula desenvolvida por pesquisadores da
Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e da Universidade de São Paulo (USP)
se mostrou capaz de estabilizar e até mesmo reverter o processo degenerativo
observado na insuficiência cardíaca. O mal é caracterizado pela incapacidade do
coração em bombear sangue adequadamente e leva à morte 70% dos afetados
nos primeiros cinco anos. Os resultados dos testes pré-clínicos com a molécula
batizada de βIIV5-3 foram divulgados na revista PLoS One. A pesquisa faz
parte do pós-doutorado de Julio
Cesar Batista Ferreira, com Bolsa da FAPESP. “A insuficiência cardíaca é o
resultado final comum de diferentes doenças cardiovasculares, como infarto do
miocárdio e hipertensão arterial. Depois que o problema se instala, a sobrevida
do paciente costuma ser relativamente curta, mesmo com a ajuda de todos os
fármacos do mercado”, disse Ferreira, professor do Instituto de Ciências
Biomédicas da USP. Ainda durante o doutorado, realizado na Escola de Educação
Física e Esporte da USP sob orientação da professora Patricia Chakur Brum,
Ferreira encontrou evidências de que uma proteína chamada PKCβII ("protein
kinase C isoform βII") poderia ser a vilã por trás do processo que leva à
insuficiência cardíaca. Para testar sua hipótese, decidiu criar uma molécula
capaz de inibir a ação dessa proteína nas células do coração. O trabalho foi
feito em colaboração com a pesquisadora Daria Mochly-Rosen, da Escola de
Medicina de Stanford. “O βIIV5-3 é uma combinação de seis aminoácidos ligados a
uma molécula carreadora, capaz de atravessar a membrana celular. Esse princípio
ativo inibe a interação da proteína com seu receptor”, disse Ferreira. Para
chegar a essa combinação, os cientistas usaram programas de computador capazes
de alinhar duas proteínas e apontar semelhanças e diferenças estruturais,
completou. “Isso permite escolher regiões específicas de interação entre essas
proteínas.” A equipe então testou a molécula em dois modelos animais. No
primeiro, um grupo de ratos passou por uma cirurgia para obstruir uma artéria
coronária e induzir o infarto. Cerca de um mês depois, os animais apresentaram
sinais de insuficiência cardíaca. Metade foi tratada com o βIIV5-3 por seis
semanas e a outra metade recebeu placebo. “Após as seis semanas, a função cardíaca
havia melhorado cerca de duas vezes nos animais tratados com o βIIV5-3, quando
comparada ao grupo controle. Além disso, a mortalidade caiu de 35% para 3%”,
contou Ferreira. O segundo experimento foi feito com ratos que apresentavam
grande sensibilidade ao sódio. Com seis semanas de vida, os animais foram
submetidos a uma dieta rica em sal e, logo em seguida, desenvolveram
hipertensão. Quando completaram 11 semanas, já estavam com sinais de
insuficiência cardíaca e passaram a receber o tratamento ou o placebo. A função
cardíaca dos animais que receberam o βIIV5-3 melhorou duas vezes em relação ao
grupo controle e, nesse caso, ficou igual à de ratos sem insuficiência
cardíaca. Já a mortalidade caiu de 50% para 0%. “Mesmo após o término do
tratamento os animais que receberam o βIIV5-3 apresentaram reduzida mortalidade
quando comparados ao grupo placebo”, comemorou o pesquisador.
Validação
Para provar
que também em humanos a PKCβII desempenha papel decisivo no agravamento da
insuficiência cardíaca, os pesquisadores avaliaram amostras de biópsia
cardíacas de portadores desse problema. “A relação foi clara: quanto mais altos
eram os níveis de PKCβII, pior era a função cardíaca dos pacientes”, contou
Ferreira. Essa etapa da pesquisa teve a participação de Berta Napchan Boer e
Max Grinberg, ambos do Instituto do Coração (Incor) da USP. O próximo passo foi
entender por que a proteína PKCβII é deletéria ao músculo cardíaco. Para isso,
os pesquisadores realizaram uma série de experimentos in vitro com a
proteína isolada e com culturas de células cardíacas de ratos. “Descobrimos que
a PKCβII desregula o controle de qualidade das proteínas dentro das células
cardíacas. Ela se liga ao proteassomo, um complexo intracelular que elimina as
proteínas oxidadas, e impede que ele funcione adequadamente”, explicou
Ferreira. Para piorar, o coração com insuficiência torna-se um ambiente
pró-oxidante, ou seja, no qual está favorecida a produção de radicais livres e
outras substâncias tóxicas que danificam as proteínas e outras macromoléculas
da célula. “Como há aumento na produção de proteínas oxidadas e o controle de
qualidade está desregulado, elas começam a se acumular e a impedir que as
células cardíacas contraiam de forma apropriada. Com o tempo, o coração vai
deixando de bater adequadamente e as células começam a morrer”, disse Ferreira.
Nos experimentos feitos com ratos, a molécula desenvolvida se mostrou capaz de
reativar o sistema de controle de qualidade nas células cardíacas. As proteínas
oxidadas voltaram a ser eliminadas pelo proteassomo e o processo degenerativo
foi interrompido. Antes de testar o candidato a fármaco em seres humanos, os
pesquisadores pretendem realizar outra rodada de ensaios pré-clínicos com
animais de maior porte, possivelmente porcos. “A molécula já foi bem-sucedida
nos testes de toxicidade realizados em animais. Se tudo correr bem, dentro de
aproximadamente sete anos saberemos com certeza se ela poderá se tornar um
medicamento”, afirmou Ferreira. O artigo Protein Quality Control Disruptionby PKCβII in Heart Failure; Rescue by the Selective PKCβII Inhibitor, βIIV5-3(doi:10.1371/journal.pone.0033175), de Julio Ferreira e outros, pode ser lido
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